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Vanessa da Mata detona intolerância religiosa, fala de suicídio e liberdade

Entretenimento

Vanessa da Mata é dessas artistas que não exclusivamente cantam — elas tocam. Com letras que atravessam gerações e traduzem sentimentos profundos, a cantora se firmou uma vez que uma das vozes mais respeitadas da música popular brasileira. Hoje, é a artista da MPB mais ouvida nas plataformas digitais e, mesmo com o sucesso estrondoso, segue movida pela coragem de manifestar o que muitos silenciam.

Em seu novo álbum, Todas Elas, ela reúne canções que falam sobre , dor, liberdade, maternidade e preconceitos ainda vivos em pleno século 21. “Tem que falar o tempo todo”, diz, com firmeza, em entrevista à Filarmónica B. Veja a entrevista aquém.

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Foto: Marcelo Sáez/Reprodução/Instagram Vanessa da Mata.

A cantora esteve em Curitiba na sexta-feira (20) passada, para um show especial com a Orquestra Ouro Preto. A apresentação, repleta de emoção e arranjos potentes, marcou também o momento ideal para a cantora falar sobre seu novo trabalho.

Nesta sexta-feira (27), Todas Elas ganha uma versão deluxe. Em entrevista à Filarmónica B, Vanessa abriu o coração sobre fé, injustiças, liberdade artística e uma vez que lida com a força de sua música — mesmo quando o público erra a mensagem.

Conhecida por sua verso afiada e sensibilidade na formação, a cantora contou que não hesita em tratar temas difíceis com leveza, sempre com foco em provocar reflexão. Uma das faixas mais marcantes do álbum, Te Suporte em Sua Fé, surgiu a partir de uma cena chocante que testemunhou: o ataque armado a um terreiro de candomblé no Rio de Janeiro.

“Eu acho que tem que falar o tempo todo, até a gente conseguir trazer o supremo verosímil de sensibilidade para as pessoas. Uma vez que a guerra, as mães dos dois lados sofrem muito. Uma vez que a música que eu trato de uma injustiça religiosa, de um preconceito religioso muito grande, que é o ‘Te Suporte em Sua Fé’, onde eu vi um senhor sendo atacado dentro do terreiro dele, lá do Candomblé, e veio uma partido de uma religião no Rio de Janeiro armada, entrou dizendo que era para quebrar o terreiro todo, ele foi extremamente resiliente, foi quebrando tudo, mas eles entraram em nome de Jesus, com a arma, e o Pai Santo, que eles não viram, estava com a camiseta de Jesus Cristo. Portanto foi uma das coisas mais absurdas que eu vi. Aquilo era tão simbolicamente resolvido, quem estava com Jesus Cristo naquele momento, que eu não pude crer, fiquei três dias meio em depressão, depois eu fiz essa música”

conta Vanessa da Mata.

Um outro tipo de intolerância, o do ser feminino, também é tema presente no disco. Em forma de manifesto, Vanessa da Mata trouxe a questão na cantiga Maria Sem Vergonha uma vez que um grito de uma mulher cansada.

“Tem várias vertentes de músicas e várias mulheres nas músicas, que falam dessa coisa de ser mãe, da mãe solo, Maria Sem Vergonha, que fala… ‘Você precisa ser assim assado, você não pode vestir menos roupa, senão ninguém te assume’. Essas coisas que ainda perduram neste século, que são inacreditáveis”

comenta a cantora.

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Foto: Reprodução/Redes Sociais.

Letra potente, tradução ligeiro

Mesmo tratando de temas sérios, Vanessa não perde a leveza no palco. Ainda que em momentos mais duros. Segundo ela, essa dicotomia faz segmento da sua arte.

“Interpretando, no show, eu acho que ela está muito mais potente. E é engraçado, porque as minhas letras são muito fortes e muito profundas”.

A artista relembra um clássico que foi mal percebido por muitos fãs: a música Boa Sorte.

“Eu me lembro que quando eu lancei ‘Boa Sorte’, as pessoas se casavam com ‘Boa Sorte’. Gente, ‘Boa Sorte’ é um término, vocês estão se casando com ‘Boa Sorte’. Entenda uma letra, pelo paixão de Deus. Se casem com ‘Ainda Muito’, se casem com outras que são muito sucedidas, falam de paixão muito sucedido. Mas ‘Boa Sorte’ não dá, gente. Você manda essa música para terminar o relacionamento”

conta e comenta Vanessa da Mata.

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Foto: Reprodução/Redes Sociais.

Produção na própria voz

Todas Elas é o terceiro disco produzido integralmente por Vanessa, que agora se sente totalmente à vontade em estúdio.

“A produção, geralmente, comigo, não precisa terceirizar. Já está tudo na minha cabeça. […] A gente fez esse disco em quatro dias. As músicas não paravam de nascer. Eu queria tirar férias do músico da Clara Nunes, mas não deu, porque as músicas vieram na cabeça.”

revela a cantora.

Para Vanessa, produzir o próprio trabalho é também uma forma de autonomia criativa e sossego de espírito.

“Apesar de ser um disco meu, muitas vezes o produtor tem o ego dele. […] Para não ter brigas, eu mesma vou e faço. É muito rápido.”

Veja a entrevista completa com Vanessa da Mata:

Candomblé, fé e protecção

No palco, a presença é potente. Na vida pessoal, ela diz ser até mais desprendida. Vanessa se define uma vez que uma mulher espiritualizada — mas longe dos dogmas óbvios.

““Eu agradeço a Deus porque eu confio muito num outro tipo de Deus, não é um Deus óbvio, eu sou do Candomblé […]. Mas eu confio muito nessa plenitude, nessa plenitude, nessa atração que a minha música tem com as pessoas. Acho que as minhas músicas abraçam mesmo as pessoas, elas dão uma plenitude”.

E sua conexão com o sagrado também vem através da arte. Segundo ela, suas canções têm ajudado muitas pessoas.

“Eu tenho muitas pessoas que chegam e falam, ‘olha eu estava em depressão há muito tempo, você me curou’. Outro que chega ‘eu estava com uma corda preparada para botar no pescoço. Ouvi uma música sua e eu tirei a corda’. Portanto são coisas muito fortes de um tempo que a gente está vivendo, muita gente em depressão, muita gente sofrendo muito. E eu acho que as minhas músicas trazem esse ânimo”

conta Vanessa da Mata.

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Foto: Mariana Oliver/Reprodução/Instagram Vanessa da Mata.

Uma Vanessa, muitas elas

Lançado em maio, o álbum Todas Elas reúne 11 faixas que celebram as muitas mulheres que compõem a artista. Com participações de João Gomes, Robert Glasper e Jota.pê, o disco ganha agora uma versão deluxe.

“São várias mulheres dentro dele: mulheres que compõem a minha pessoa, as minhas facetas, os meus momentos, os momentos de grandes e boas ilusões e algumas desilusões.”

Entre reggae, samba, pop e introspecção, Vanessa da Mata mostra que está mais livre do que nunca — e não tem susto de se posicionar, de incomodar e de transformar. Uma vez que diz na cantiga que batiza o disco, são todas elas que vivem em sua arte.

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Foto: Priscila Prade/Divulgação.

Versão deluxe

A versão deluxe de Todas Elas chega às plataformas nesta sexta-feira, com um presente privativo para os fãs: uma novidade gravação da clássica “Zero Mais”, imortalizada por Gal Costa em 1984. A música, versão brasileira da balada “Lately”, de Stevie Wonder, marcou o álbum Profana e voltou aos holofotes em 2021, quando Vanessa emocionou as redes sociais ao cantá-la nos bastidores do Altas Horas, em uma tradução que viralizou.

A escolha da filete, segundo Vanessa, é uma homenagem a Gal, a quem define uma vez que “uma das vozes mais lindas do mundo”. Para ela, reverenciar ícones uma vez que Gal é também manter viva a tradição da vantagem músico brasileira. “Isso deve sempre ser renovado, relembrado… uma troca entre gerações e recepção de quem somos nos pontos mais grandiosos”, afirma. A releitura entra para o projeto Todas Elas, que celebra as múltiplas facetas femininas com profundidade, coragem e delicadeza.